Mais uma eleição se aproxima e, com ela, muitas discussões. Cria-se um clima de rivalidade irresistível entre os diferentes eleitores, como se uns estivessem certos e outros errados. O mundo se divide entre "inteligentes" ou "bem-informados" e "ignorantes" ou "mal-informados". As pessoas buscam abrigo nas "suas turmas" contra a "outra turma".
Qualquer comentário do tipo: -Você viu o que que tal candidato (a) disse? pode desencadear reações tão diversas quanto passionais:
-Não acredito que você ainda presta atenção em tal candidato? Não percebe que é um mentiroso? corrupto! autoritário! reacionário! terrorista! falso!
-Claro que vi! Pois é, está claro que é a melhor opção! afinal o outro é mentiroso! corrupto! autoritário! reacionário! terrorista! falso!
Em seguida, para confirmar que está antenada em política, a pessoa repete mil e uma manchetes de notícias que leu na imprensa.
O Nassif levantou a bola para este lance de repetição de mantras:
Serra dá o tiro na Bolívia. Aí a Veja aparece com a matéria prontinha, mostrando o perigo boliviano. Daqui a pouco vão ressuscitar os 200 mil guerrilheiros das FARCs que invadirão o Brasil pelo mar. (...)
Cada vez que acompanho discussões sobre Cuba, Venezuela, Bolívia, guerra fria, aliás, dá um desânimo danado. São temas não apenas distantes da vida comum, do dia a dia real das pessoas, como da própria realidade política atual do país. É restrito a um mundico de nada na Internet, apenas isso. (...)
E veio o Gabriel Girnos e explicou o fenômeno:
(...)Tem uma coisa que eu ando chamando de “consenso frio”.É um consenso mais ou menos inconsciente, que toma aspectos de senso comum e que pode ser mudado facilmente, porque é sobre aquelas questões que as pessoas sabem pouco — como por exemplo, política externa. Porém, assim como pode ser mudado facilmente, esse consenso frio pode ser mantido facilmente, bastando a repetição da mesma lenga-lenga todo santo dia.
Exite uma classe especialmente suscetível a esse consenso: a classe dos consumidores de informação, aqueles que (para si mesmos) se distinguem do “povão” por ler jornais e estarem “informados”, mas que ao mesmo tempo não chegam a ser críticos e analíticos a respeito do que estão lendo.
É dessa classe informada, bem mais ampla do que apenas uma extrema direita encarnecida, que surge o grande número de pessoas dispostas a acreditar em tudo de ruim que se fala sobre um “ignorante” como o Lula, ou sobre os “radicais” da Bolívia. (...)
Particularmente eu acredito que existe semelhanças entre as pessoas que sentem prazer em citar alguma informação da aba de um livro clássico, responder uma pergunta do "Show do Milhão" e as que, além do prazer, sentem proteção ao repetir a manchete do jornal ou opinião do colunista. Serve para atestar que está "antenada" com a política e não é, portanto, parte do povão ignorante.
O mercado dos consumidores de informação não é nenhuma novidade para a revista Veja na minha opinião. Há anos atrás a editora Abril veiculou um comercial que pode ser considerado degradante para uns mas que é facilmente entendido pelos consumidores de informação. O comercial retrata o leitor como um papagaio repetidor de mantras que não demonstra a mínima capacidade crítica do que está falando. Entretanto o comercial vai direto ao ponto de interesse de muitos: -Leia a Veja e você será percebido como "inteligente".
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2 comentários:
Beto, eu costumo dizer que é muito difícil para as pessoas que não vivem num meio profissional específico, seja político,jurídico econômico, etc, ter senso crítico mais profundo sobre questões não vivenciadas.
Mas acho que o estudo, a leitura de opiniões diversas e o diálogo aberto ajudam a prosperar certa noção crítica.
O que se deve desenvolver na pessoa é uma certa sensibilidade para notar o que está além da superficialidade, o que está abaixo do discurso oficial, o que, sejamos realistas, é difícil.
O meio em que vivemos, principalmente de classe, privilegia o pensamento elitista, que tem por principal característica preconceitos extremamente arraigados.
A manipulação ideológica num ambiente fechado encontra terreno fértil.
Concordo. Desenvolver senso crítico em um meio em que não tem experiência é difícil. Também concordo que a leitura de opiniões diversas e diálogo aberto ajudam o desenvolvimento do senso crítico. Mas o diálogo aberto é bem mais fácil em assuntos como genoma, buracos-negros, ... onde 99% da população simplesmente admite total ignorância e aprendem um pouco com qualquer pessoa que tenha mais informação do que ela.
Assuntos da moda são mais difíceis de serem discutidos. Política em ano eleitoral, aquecimento do planeta, gripe suína, ... estes assuntos ocupam o noticiário de tal forma que as pessoas tendem a defender uma opinião, mesmo que copiada de outra pessoa, para serem percebidas como bem informadas. Nestes casos as pessoas se tornam avessas a opiniões contrárias e, muitas vezes, agressivas.
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