quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Proposition 8 (sobre o banimento do casamento gay)

A imprensa mundial cobriu a eleição americana com interesse exclusivo na votação presidencial mas por aqui a imprensa e os eleitores também dedicaram um pouco de atenção para assuntos locais. Várias questões públicas como alocação de recursos por parte do governo são votadas como em um referendo. Estas questões são conhecidas como "propositions". Nesta eleição, na California, uma "proposition" chamou bastante a atenção, a de número 8. Ela perguntava ao eleitor se o casamento gay deveria ser banido da constituição. A campanha midiática pelo sim (defendida por grupos tidos como conservadores) e pelo não (defendida por entidades de direitos humanos e por grupos de apoio aos homossexuais) movimentou milhões e ocupou boa parte do noticiário. Pesquisas de opinião mostravam o "não" com uma certa vantagem bem antes da eleição mas o "sim" ganhou força nas últimas semanas e acabou vencendo.
Pessoalmente torci pelo "não". Apesar de ser heterossexual eu não consigo me sentir bem e conviver em paz com minha consciência vendo pessoas sendo discriminadas. Posso não compartilhar das mesmas afinidades mas respeito o direito de cada um escolher o que é melhor para si mesmo.
Minha indignação é semelhante à do Keith Olbermann (clique aqui para ler a íntegra)

"Se você votou a favor da Proposta 8 ou apóia aqueles que votaram ou o sentimento que eles expressaram, tenho algumas perguntas a fazer, porque, honestamente, não entendo. Por que isso importa para você? O que tem a ver com você? Numa época de volubilidade e de relações que duram apenas uma noite, estas pessoas queriam a mesma oportunidade de estabilidade e felicidade que é uma opção sua. Elas não querem tirar a sua oportunidade. Não querem tirar nada de você. Elas querem o que você quer: uma chance de serem um pouco menos sozinhas neste mundo."

O Pedro Dória explicou bem o assunto no blog dele (clique aqui para ler o original no blog do Pedro Dória)

O casamento gay na Califórnia
E o futuro que nos aguarda

November 11th, 2008

Ao longo da última semana, recebi nos comentários e por email cobranças sobre a falta de menção da vitória da Proposição 8, na Califórnia. Em pelo menos dois dos emails havia uma nítida aflição: se nem na Califórnia o casamento gay passa, será que haverá alguma chance em algum lugar no mundo? É um assunto que mexe principalmente com quem está pessoalmente envolvido. E dói.

Este post segue num formato um pouquinho diferente.

Como o Sim venceu na Proposição 8, a constituição do Estado será emendada para ganhar um artigo no qual o casamento civil é caracterizado como a ‘união entre um homem e uma mulher’. Uniões civis entre pessoas do mesmo sexo continuam legais.

Na Califórnia, enquanto o resultado não é oficializado, alguns condados estão celebrando tantos casamentos quanto possível.

Lutas por direitos civis não são simples e seguem sempre assim, com idas e vindas. Não consigo imaginar um mundo em 2030 no qual o casamento entre homossexuais não seja legal em todo o ocidente. Será. Vai acontecer. Acontecerá até no Brasil. Acontecerá antes se o movimento LGBT tupinambá pressionar. Depois de todo o mundo, se ninguém tocar na questão. Acontecerá – mas demora.

Por que ‘casamento’?

Palavras são importantes. A palavra casamento tem um peso na sociedade. Perdoem se pareço piegas, mas é que não há outras palavras para exprimir a idéia: casamento quer dizer um vínculo de amor e dedicação. Casamento é uma mudança, uma fase de vida que se inicia – uma fase que, idealmente, só será interrompida pela morte de um no casal. Este é o tamanho da dedicação. É uma das decisões mais importantes de nossas vidas. É uma união maior que todos reconhecemos, uma maneira de comunicar a todos que agora você divide a totalidade de sua vida, de seus projetos, ambições, com um par. Casamento é um processo pelo qual quase todos nós, humanos, passamos. Casamento não é uma obrigação, mas faz parte de nossa humanidade. Não se tira esse direito de parte da humanidade.

Dizer que duas pessoas do mesmo sexo não podem casar quer dizer que duas pessoas do mesmo sexo não podem desenvolver um vínculo de amor e dedicação. No fim, a idéia disfarça o preconceito de que só pode ser tara. Só pode ser sexo.

Simplesmente não é certo.

Mas nem na Califórnia?

A Califórnia não é o estado mais liberal dos Estados Unidos? Não é – como me perguntou um leitor por email – onde fica San Francisco, a capital gay do planeta? (Não sei se San Francisco é a capital gay do planeta; é uma cidade como todas as outras grandes cidades que conheço e, como todas, também tem sua vizinhança gay. Mas, até por motivos históricos e turísticos, Sanfran cultiva esta imagem e, rebeldes dentro dos EUA, os cidadãos daqui gostam da idéia de se sentirem mais tolerantes a diferenças do que todo o resto. Na verdade, não são tão diferentes assim dos novaiorquinos. E, se me ouvirem falando algo assim, apanho.)

A Califórnia tende a ser liberal, sim. Mas é preciso tomar cuidado com estereótipos. A imprensa sensacionalista de direita, nos EUA, gosta de pintar Califórnia e Nova York como Sodoma e Gomorra perante uma América cristã e conservadora no miolo. Nem um, nem outro, são verdade. Não foi apenas o prefeito playboy e democrata de San Francisco que fez campanha pelo Não. O governador republicano da Califórnia, Arnold Schwarzenegger, também fez. Em todo o país, um em cada três republicanos se declaram favoráveis ao casamento gay e parte do Partido Republicano da Califórnia fez campanha pelo Não.

A Califórnia não é um estado homogêneo. Como mostra o mapa de quem votou contra e quem votou a favor, é um estado dividido entre litoral e interior.

No litoral, se concentram as grandes cidades – San Diego, Los Angeles, San Francisco – e boa parte da indústria de ponta que enriquece o estado: o cinema, a tecnologia e o desenvolvimento de alternativas ao petróleo. Aqui onde vivo, no Vale do Silício, península de San Francisco, em cada gramado havia uma placa de Obama e outra de NO à Proposição 8. As pessoas realmente se engajaram. O casamento gay lhes era uma causa tão cara quanto tirar o Partido Republicano da Casa Branca. Evidentemente, os eleitores do outro lado também estavam igualmente envolvidos.

O interior, próximo a estados como Arizona, Novo México e Texas, é formado por cidades pequenas e muitas estradas, o típico interiorzão norte-americano.

Durante boa parte da campanha, as pesquisas indicaram que o Não venceria com facilidade. Foi apenas em outubro que o resultado começou a mudar. Um comercial de televisão que foi ao ar no último mês pareceu ter sido bem eficaz: afirmava que, se o casamento gay fosse incentivado, crianças aprenderiam sobre homossexualidade no jardim de infância. Coincidência ou não, as pesquisas viraram quando ele foi ao ar. E foi muito ao ar. Bastava ligar a tevê que o filmete já estava passando. Houve gente, impossível saber quantos, que confusa com a pergunta votou Sim achando que defendia o casamento gay. Algumas pesquisas dizem que o Não venceu entre brancos mas perdeu entre hispânicos e, principalmente, entre negros. Mas há também especialistas que sugerem que as pesquisas tinham falhas metodológicas.

Não é, aqui na Califórnia, uma questão religiosa. Todos os bispos episcopais fizeram campanha pelo Não. O rabinato saiu oficialmente a favor do casamento gay. Uma boa parte da Igreja Adventista, idem. Houve oposição religiosa, principalmente dos mórmons, que trouxeram dinheiro de fora do estado para a campanha, mas a disputa foi equilibrada até em termos financeiros. O Sim teve a sua disposição 35,8 milhões de dólares e o Não, 37,6 milhões. Jamais uma campanha eleitoral por uma causa, e não por um candidato, custou tão caro nos EUA.

E as Uniões Civis?

Nos EUA, há algumas diferenças do ponto de vista fiscal entre união civil e casamento; há alguns direitos como o de visitas em hospital que também são afetados. União civil resolve a questão de herança, mas não caracteriza família. Este é um detalhe; os contratos de união civil poderiam ser modificados por uma lei para ficarem idênticos ao de casamento.

A questão que está realmente em jogo é a palavra casamento.

Na verdade, se a palavra fosse irrelevante como sugerem alguns, não haveria tanta gente lutando contra seu uso civil para uniões do mesmo sexo. E é justamente porque é importante que o Estado não deve decidir quem pode ou quem não pode casar. A decisão cabe a dois adultos responsáveis e a ninguém mais. Para expressar a mesma idéia em termos liberais, a decisão cabe a dois indivíduos e o Estado nada tem com isso.

E agora?

O Condado de Santa Clara, onde vivo, e as cidades de San Francisco e de Los Angeles estão movendo ações de inconstitucionalidade. Alegam que, como o objetivo da Proposição 8 é a supressão de um direito, ela não deve ser uma emenda (ou inclusão) à Constituição e sim uma revisão da carta. Assim, para que a mudança ocorra, seria necessário não um plebiscito mas a aprovação de 2/3 do plenário da Câmara e Senado estaduais. Se a Justiça considerar que estão certos, a Proposição 8 cai por terra e o casamento volta a ser legal.

Independentemente disso, o caminho do casamento gay passa pela Suprema Corte dos EUA que definirá, para todo o país, se é constitucional ou não. Barack Obama venceu. Os novos dois ministros da Corte serão liberais. Proibir o casamento gay terminará por ser considerado inconstitucional em dez ou quinze anos.

Me permitam ser mais pessoal.

Nas constantes discussões a respeito de questões sociais, sempre busco compreender o outro lado. Sou a favor da legalidade do aborto, mas compreendo o dilema do início da vida. Sou contra a pena de morte – mas compreendo o dilema perante crimes hediondos. Entendo menos – mas entendo – quem questiona o estudo de células tronco embrionárias. São questões, no fim, que nos levam a conclusões dolorosas. É escolher entre duas possibilidades ruins que nos obrigam a compreender o que é ser humano e optamos por sacrifícios de um lado e do outro.

Alguns têm certezas. Certezas são reconfortantes, sempre. Feliz de quem tem certezas pelo mundo, a vida fica bem mais simples.

A questão da franca repulsa ao casamento gay não é uma que compreendo. Tenho dificuldades de ter empatia pelo outro lado. É um assunto que caminha ali com as leis segregacionistas que tantos países tiveram. Nada de racional o justifica. Todos os argumentos me parecem apenas uma desculpa para o preconceito. Não sei o que o futuro dirá a respeito de aborto e tantas outras questões. O casamento gay será legal em boa parte do mundo e este tempo em que vivemos nesta luta por sua legalização será lembrado como o período em que ainda havia Apartheid na África do Sul ou Jim Crow no sul dos EUA.

Passará.

Só que 2030, ou 2040, é muito longe. Há uma ou duas gerações de gays que não poderão se casar em vida porque este direito lhes foi negado. O fato de que está próximo não lhes traz conforto.

Mas, principalmente para quem está aflito, lembrem a história de Alan Turing. Matemático, de longe uma das mentes mais brilhantes do século 20, um dos maiores heróis da Segunda Guerra – decifrou o código dos nazistas permitindo aos aliados interceptarem e compreenderem suas mensagens –, inventor do computador, foi condenado em 1953 pela prática de sodomia. Por ser gay. Em Londres. Foi condenado a fazer um tratamento hormonal para ’se curar’. Turing, que era um homem bonito, e vaidoso, começou a ver o peito inchar por causa dos hormônios. Como se virassem seios. Cometeu suicídio.

Em Londres, nos anos 50, era assim que tratavam um herói de guerra por ser gay. Barbárie. Olhem para Londres hoje. Vejam como esse passado parece remoto.

Em 2002, ser gay era crime no estado do Texas. Aí a Suprema Corte dos EUA considerou a lei inconstitucional. Às vezes, o passo da história é lento. Sei que, hoje, algumas pessoas ainda não estão plenamente integradas à sociedade. Não têm direitos plenos. Como já aconteceu com negros. Com mulheres. Com índios. Mas mesmo mulheres e negros e índios ainda têm coisas por conquistar. Vai acontecer.

E qualquer um, evidentemente, tem o direito de me questionar: paciência é fácil quando se é homem, branco e heterossexual. É. Não sinto na pele o que é não ter direitos plenos. Só porque vai acontecer não quer dizer que ninguém tenha que ter paciência.

Pois bem: lutem. E me avisem se precisarem de ajuda.

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