sexta-feira, 13 de julho de 2007

Do fascistinha que existe em nós

Li este texto no blog do Nassif e gostei. Acho que vale uma reflexão. O texto foi, originalmente, enviado por uma leitora do Nassif de nome Clara Maria:

Do fascistinha que existe em nós
enviado por: Clara-Maria
Nassif,

não precisa ter lido Freud pra perceber que a raiz da crueldade está na infância de cada um. Quem não se arranjou um conveniente esquecimento de certas estripulias infantis há de lembrar o imenso prazer que já sentiu em morder um “amiguinho”, enfiar-lhe o dedo no olho, puxar-lhe o cabelo... humilhá-lo por ser diferente – gordinho (Baleia!), magrinho (Caniço!), pretinho (Crioulo!Cabelo de Bombril!), etc.; encher de porrada um mais fraquinho, torturar um gato ou cachorro, cooptar um menorzinho pra serviços sexuais eventualmente degradantes, roubar o doce do irmãozinho caçula, etc., etc.


Na medida em que crescemos, somos penosamente convencidos (ou forçados) a abandonar essas deliciosas formas de satisfação. Mas tem um facistinha dormindo na alma de cada um de nós, sempre disposto a racionalizar sua inquebrantável disposição à “ruindade”...

Você, que tem filhas, deve saber como é trabalhoso ensinar uma criança a ser polida e gentil. Além da expressão física, a expressão simbólica da crueldade tem que ser implacavelmente cerceada. A criança precisa aprender a reprimir-se, não mais dizer o que lhe venha à telha a amigos, conhecidos e desconhecidos. Devem ser censuradas frases do tipo “Nossa, você tá acabado, hein? Virou um velho decrépito!” “Como você tá gordo! Tá parecendo um porco!” “Puxa, você é feio como a fome no Nordeste...” “Seu filho é aleijado, né?” (ou “retardado”, “mongolóide”, etc.) E por aí vai.

A cultura tende a apertar o cerco às manifestações desse facistinha – que, repito, habita a alma de cada um de nós - na medida em que as gerações se sucedem orientadas pelos valores da liberdade, igualdade e fraternidade.

Meus bisavós (os do lado branco da família) foram privados do direito a possuir escravos para chicotear fisicamente. Nós, agora, somos cada vez mais privados da liberdade de chicotear “inocentemente” os negros com musiquinhas tipo “O teu cabelo não nega”, epítetos como “crioulo”, etc. Mas como nos custa renunciar a isso!... Tinha que haver uma reserva “ecológica” para nossa crueldade, um grupo de gente que ainda nos fosse autorizado esculhambar, torturar e baixar porrada de maneira desinibida; mas, para desespero de muitos, nem mendigo, índio, homossexual e prostituta a onda do “politicamente correto” está deixando de fora...

Resistimos, mesmo adultos, a abrir mão de cada milímetro da humilhação ao outro que ainda nos é culturalmente permitida. Racionalizamos facilmente essa resistência: protestamos contra a “mania do politicamente correto”, invocamos a Liberdade Individual, sofismamos comparando coisas incomparáveis (“chamar negro de crioulo é o mesmo que chamar de turco um descendente de árabe, japonês um coreano, carioca um petropolitano”...). Lembramos que um homossexual cumprimenta seu amigo homossexual dizendo “e aí, sua %!@$&@# como vão as coisas?”; que um negro chama outro de negão; que um sujeito chama a namorada de “minha quenguinha” etc., normalmente e sem problemas... E concluímos, triunfalmente: “... isso prova que a patrulha contra o politicamente incorreto é pura besteira”.

Não é de se admirar. As paixões não apenas cegam, como também subornam e corrompem a razão. Nenhuma evidência, nenhum argumento, será capaz de desarmar o tesão de um facistinha intelectualizado que não se reconhece como tal - nem os meus, provavelmente. Mas enfim, não custa tentar.

link para o texto no Blog do Nassif

4 comentários:

Anônimo disse...

O fascistinha em nós, bate de frente com a tese ridícula de Rousseau, quando defende a existência do bom selvagem corrompido pela sociedade.Para ele , nascemos bons e somos corrompidos. Voltaire disse sobre a tese de Rousseau: "Nunca se empregou tanto espírito em tentar nos tornar burros. Tem-se vontade de andar de quatro quando se lê vossa obra." Zé

Beto disse...

Não sei se o texto bate de frente com a tese do Rousseau. A autora deixa claro que este padrão de comportamento é adquirido na infância e menciona Freud. Durante a infância a criança já está em contato com a sociedade e isso pode ser usado para justificar a tese do Rousseau. Esta dificilmente será desacreditada pois nunca conseguiremos estudar o "bom selvagem" sem nenhuma interferência da sociedade.
Por falar em fascistinha e "bom selvagem" a torcida do Pan está fornecendo dados empíricos para comprovar o texto. Não conseguem ceder à tentação de vaiar atletas e chegam ao ponto de gritar Osama! Osama! para a equipe americana. Todos conhecem o "fair play" mas preferem a diversão de humilhar o próximo.

Anônimo disse...

Beto, vc tem razão! Leitura apressada do texto, me fez proferir interpretação errônea do mesmo, se se entender "bom selvagem" como ausência total de contato com a sociedade. Pelo texto, não se consegue refutar de forma clara a tese de Rousseau, mas entretanto, o texto nos dá pistas pára negar a dita natureza boa do homem. Em relação ás vaias do pan, achei pura falta de educação. O povo brasileiro não tem modos. Fala isso não só pelas vaias do pan, mas por pequenos atos do dia a dia. Zé

Beto disse...

Acabei de ler sobre a desavença entre Rousseau e Voltaire no meu livro de filosofia:

The complete Idiot's guide to Philosophy

Apesar do título pouco ortodoxo, o livro é bom.

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